Veja a transição da Havaianas de uma marca que buscava abordar seu público alvo por meio de um apelo funcional, para uma valorização e construção de um DNA próprio e único.
A marca para todas as classes
As sandálias Havaianas foram lançadas em 1962, introduzindo no Brasil o conceito de “chinelos de dedo”. O nome da marca foi escolhido buscando remeter ao astral agradável e relaxante que o Havaí sempre inspirou nas pessoas. Dessa forma, rapidamente o calçado prático e barato se tornou popular, atingindo a marca de milhões de pares vendidos anualmente no mercado brasileiro.
Nas décadas de 1970 e 1980, a marca construía seu brand equity com um apelo notadamente funcional. E a comunicação enfatizava aspectos como “não tem cheiro, não deforma e não solta as tiras”. Assim, personagens populares do humorista Chico Anysio eram utilizados para dar voz à marca e destacar tais aspectos de desempenho dos produtos. E é também desta mesma época o nascimento do slogan “as legítimas”, utilizado até os dias de hoje. Dessa maneira, tal surgimento já dava sinais, naquela época, da preocupação da marca com cópias e imitações que pudessem porventura surgir.
No entanto, apesar do sucesso em vendas, o apelo funcional não era suficiente para tornar a marca desejada, principalmente pelo público mais elitizado. E, segundo a análise da empresa na época, todos os públicos conheciam a marca, mas havia resistência a sua utilização por parte do público mais elitizado. E isso ocorrei pois os produtos e a própria marca carregavam uma personalidade excessivamente popular.
Uma nova estratégia de branding
Com o objetivo de alterar essa situação e tornar universal a aceitação da marca, a empresa mudou sua estratégia e passou explorar na comunicação o conceito “todo mundo usa”. Essa virada na mudança da estratégia de branding da marca ficou marcada na década de 1990, época em que a empresa passou a incorporar à sua comunicação celebridades brasileiras.
Comerciais de televisão, em que o ator Luiz Fernando Guimarães representava um repórter que invadia a casa de celebridades como a atriz Malu Mader e o jogador de futebol Bebeto para flagrá-los usando Havaianas com naturalidade, marcaram época. O objetivo era demonstrar que todo mundo usava Havaianas, ainda que muitos não admitissem publicamente. A partir daí, a marca passou a priorizar a construção de significados emocionais, utilizando inúmeras celebridades em sua comunicação.
Características como a irreverência e a descontração tipicamente brasileiras foram gradativamente sendo incorporadas à marca. Criatividade e diversidade no lançamento de novos modelos e coleções passaram a ser uma rotina.
Em 1998, por ocasião da Copa do Mundo na França, foi criada uma edição especial com uma bandeira brasileira. Esse foi um momento decisivo para o início da internacionalização da marca Havaianas como um ícone da cultura brasileira. A marca passou a ser exportada para diferentes países, tais como França, Itália, Austrália e até mesmo o estado americano do Havaí.
E com isso, estrangeiros em visita ao Brasil adquiriram o hábito de comprar pares de Havaianas e levar para seus países de origem. Ao mesmo tempo, ações de apoio a esse processo de internacionalização da marca começaram a se multiplicar, como:
- a criação e a distribuição de chinelos personalizados para as celebridades indicadas ao Oscar de 2003;
- as ações criadas na ocasião do lançamento de filmes de sucesso, como O Último Samurai e;
- ações em desfiles e feiras de modas internacionais e em lojas ícones, como as Galéries Lafayette em Paris.
O DNA da Havaianas
Assim, muitas dessas ações criativas geraram expressiva mídia espontânea para a marca, que passou também a ser apresentada como um elemento da cultura brasileira, principalmente do que seria essa cultura aos olhos do mundo.
Em 2009, o Espaço Havaianas foi aberto na rua Oscar Freire, em São Paulo. E trata-se de uma loja conceito, criada com o objetivo de oferecer toda a linha de produtos e de, principalmente, transmitir a essência ou “DNA” da marca: descontraída, criativa, brasileira e global.
O sucesso atual da marca no Brasil e em países estrangeiros comprova sua eficácia simbólica como transmissora dos valores aspiracionais da cultura brasileira. Além de se apropriar desses valores, a própria marca passa a ser um agente ativo de sua construção e propagação. Uma vez que uma parte dos valores transmitidos também estão ligados à essência da marca.
Assim, os tempos de apelo funcional para a construção do brand equity da marca ficaram definitivamente no passado e, ao que tudo indica, não deverão retornar. E a Havaianas vêm se mostrando hoje como uma verdadeira marca de sucesso tipicamente brasileira. Isso pois ela incorporou à marca a valorização de sua própria cultura, e inovou no conceito de chinelos de dedo. E, que passaram a ser mais do que um simples chinelo, e se transformaram em um item de moda no guarda roupa da sociedade.
Texto de Marcos Machado, retirado do livro Administração de Marketing de Kotler e Keller